CLÁUDIA (dirigindo-se, irritada, ao garçom, que já conhecia há tempos): - Caramba, João, fiquei chateada com o jeito que você jogou a pizza dentro de meu prato e do prato de meu marido!
JOÃO (que ficara desconcertado e inconformado com o conteúdo e o tom do comentário de Cláudia e que, depois de rodar meio sem rumo pelo restaurante, volta à mesa): - Sabem de uma coisa, EU É QUE fiquei magoado com a maneira que a senhora falou comigo. Afinal das contas, eu conheço vocês há muitos anos e sempre servi vocês com o maior carinho!
PEDRO (o marido): - Calma, cara! Sabe de uma coisa: tem mágoa suficiente para todo mundo! Podemos todos ficar magoados: eu, você, ela... Se o gerente também quiser vir aqui curtir uma magoazinha, também pode. Não vai faltar mágoa para ninguém.
JOÃO (algo perplexo e já mais calmo): - Bem..., então, desculpe.
CLÁUDIA (apaziguadora): - Está desculpado. Me desculpe também, se meu jeito de falar lhe magoou.
A expressão "É QUE" tem entradas absolutamente saudáveis e outras bastante doentias em nossa fala cotidiana. Nada há de errado em um diálogo como o seguinte:
FULANO: - Quem vai levar esta quentinha para o Dr. Roberto?
BELTRANO: - Ele É QUE vai!
Em outros momentos, contudo, como no diálogo entre Cláudia, Pedro e João, o "É QUE" comparecia com seu uso doentio. Como reconhecer isso e, coerentemente, desmanchar esse uso, como fez Pedro?
O "É QUE" é empregado de maneira doentia quando, numa relação entre pessoas, tenta estabelecer um MONOPÓLIO do direito de expressar uma emoção ou um desejo: só uma pessoa, numa determinada relação interpessoal, É QUE terá o direito de sentir mágoa, raiva, inveja, etc. As outras, não. Sutilmente, existe a tentativa de se estabelecer um reinado: quem ganhar, será o rei, e poderá falar. Suas palavras serão a verdade, serão "reais" (em português, não diferençamos "royal" de "real", como fazem os ingleses, ou de "réal", como fazem os franceses, povos campeões da democracia); os outros, serão "súditos", ou seja, serão "sub-ditos", ou seja, SERÁ DITO A ELES O QUE TÊM DIREITO, OU NÃO, DE DIZER. Pois bem, se quisermos que a democracia penetre nossas relações cotidianas, teremos que combater esse uso fascista do "É QUE". E, para isso, é necessário pôr em prática um princípio da *Loganálise: o ser humano não tem o direito incondicional de FAZER, mas tem o direito incondicional de SENTIR e de EXPRESSAR VERBALMENTE o que está sentindo. Quando o "É QUE" tenta operar sob sua forma doentia, ele sempre tenta se estribar na RAZÃO: eu É QUE tenho RAZÃO de me sentir magoado, você não. E segue-se uma discussão estéril, embate micro-político, cujo objetivo é estabelecer quem é rei - cujas palavras são "reais" - e quem é "sub-dito", quem é "súdito". Deixemos os debates sobre ter ou não razão para avaliações sobre o direito de FAZER; numa relação democrática, para ter o direito de DESEJAR ou de SENTIR, não é necessário TER RAZÃO.
Tenho atendido famílias em que apenas um dos membros tem direito ao uso de certo tipo de expressão verbal. Numa delas, nenhum dos filhos podia fazer qualquer tipo de reclamação porque, com o enfático suporte do pai, a mãe era a única que tinha direito de expressar sofrimento: ela "É QUE" se dedicava, ela "É QUE"´trabalhava, ela "É QUE" etc., etc., etc. Resultado: filhos fazendo anos de terapia para recuperar as palavras que, em sua infância, lhes foi interditado enunciar.
Esta coluna se propõe a relatar experiências sobre o poder da palavra em nossas vidas. Aqui serão relatados dezenas de fragmentos de diálogo - reais ou fictícios - segundo os pontos de vista da Loganálise, mostrando onde e como esses diálogos apresentam elementos favoráveis ou desfavoráveis ao estabelecimento de uma comunicação sadia.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
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