Há pessoas que perguntam se você vai bem, com a esperança de ouvir que você vai mal.
Chamo essas pessoas de “abutres existenciais”. Alimentam-se do sofrimento do próximo. Em sua esmagadora maioria, não têm consciência disso e podem ser pessoas perfeitamente boas que, caso se dessem conta do que estão fazendo, ficariam sinceramente chocadas.
Há alguma coisa no TOM com que perguntam se estamos bem que as diferencia daquelas que, ao perguntar como estamos, querem apenas saber isso, e, na verdade, preferindo até ouvir que estamos bem. Não creio ser capaz, por meio de um texto impresso, descrever esse tom. Muitos de meus leitores devem conhecê-lo e estar, agora mesmo, lembrando de alguém que o emprega. Mas posso até tentar: há nesse tom alguma coisa de apreensivo, de cavernoso, a voz parece ficar mais grave, o ritmo fica mais lento e o “bem” final parece prolongar-se mais do que o normal, tudo transmitindo um matiz de gravidade à pergunta, à que se junta um sutil elemento de ameaça, como se não devessemos OUSAR responder que sim, que estamos bem. Se temos coragem de o fazer, podemos ouvir de volta um muchocho que veicula veladamente a desconfiança de que estamos mentindo, a desconfiança de que, na verdade, estamos mal. Essa rapina existencial me incomoda e tenho uma maneira algo vingativa – sinto um pouco de vergonha ao confessá-lo – de responder a tal tipo de avanço. Cá está:
ABUTRE EXISTENCIAL: — Ôi, Luís César. Vai tudo BEEEEM...?
LC: — Desculpe, vai sim! Mas pode ficar tranqüilo(a), logo que estiver tudo mal, eu ligo e aviso!
ABUTRE EXISTENCIAL: — Ih, Luís César, que absurdo! Até parece que eu estava querendo que você estivesse mal!
LC: — Ah, desculpe. Tive essa impressão, mas devo ter-me enganado.
ABUTRE EXISTENCIAL: — Eu, hein!
LC: — E você, como está?
E quando PACIENTES me perguntam, ao entrar na sessão, se tudo vai bem? Bem, dentro do contexto terapêutico, eu ajo da maneira TECNICAMENTE CORRETA e, não, segundo meus impulsos pessoais. E qual seria essa maneira tecnicamente correta?
Mas uma vez, cabe fazer distinções. Há os pacientes que perguntam se estou bem de maneira totalmente casual, sem grandes cargas emocionais. Nesse caso, respondo simplesmente “tudo bem”, e seguimos adiante. Mas há também, o paciente que, como o abutre existencial referido acima, ao perguntar se eu estou bem, iria ficar satisfeito com ouvir que eu estou mal, e um outro tipo, que, na verdade, está ASSUSTADO com a possibilidade de eu estar mal. Ajo da mesma forma com esses dois. Vejamos:
PACIENTE: — Tudo bem?
LC: — Algumas coisas vão bem, outras vão mal.
Assim, evito a prática de alguns analistas de simplesmente não responder a esse tipo de pergunta, o que me parece desnecessariamente grosseiro, e mantenho a ambigüidade indispensável para que o paciente possa, se quiser, trabalhar analiticamente com as duas possibilidades.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
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