domingo, 27 de dezembro de 2009

Quem quer ser padre?

Um seminarista, um sacerdote e um ex-salesiano na faixa de 30 anos respondem a essa pergunta e explicam sua vocação

À primeira vista, Pedro Luis Andaluz é um estudante como qualquer outro. Um rapaz de 20 anos que gosta de sair com os amigos e passear pelo campo. Mas há algo peculiar nele. Aspira a ser santo; levanta-se às 7, dedica alguns minutos à oração e ouve missa antes de ir para as aulas. Andaluz é o único seminarista mais velho de El Burgo de Osma ( Soria, centro-norte da Espanha )embora hoje viva em Burgos, onde estuda seu primeiro ano de teologia.

Há cada vez menos seminaristas como ele na Espanha. Segundo a diocese de Burgos, no último semestre havia 1.381 aspirantes a padres em todo o país. Os ventos que sopram no mundo ocidental vão noutra direção. E na Espanha o sacerdócio não está exatamente na moda. Pedro Luis e seus companheiros são uma raridade na Espanha de hoje, que tem menos de 20 mil sacerdotes com uma idade média de 63 anos, muitos dos quais se encarregam de várias paróquias.

Padre dá a bênção a animal na Paróquia de São Francisco de Assis em comemoração ao Dia de São Francisco. O santo é considerado o protetor dos animais

A hierarquia eclesiástica lamenta essa perda de vocações, mas nos tempos que correm não deixa de ser assombroso que ainda existam. O que leva um rapaz de hoje ao sacerdócio? O que a fé católica oferece a essas centenas de rapazes, capazes de assumir um compromisso tão exigente? Por que Pedro Luis Andaluz quer ser padre? "Não sei. Mas tenho certeza de que Deus quer que eu seja sacerdote", responde por e-mail. "Neste mundo tão consumista e pouco espiritual há necessidade de pessoas que anunciem outra alternativa, que anunciem a Boa Nova, o Evangelho de Cristo."

Pedro Luis, nascido em Ucero, um pequeno povoado de Soria, decidiu qual seria seu futuro aos 14 anos, em 2003, para desconcerto de seus pais. "No início se surpreenderam um pouco com a decisão, mas afinal o Senhor abrandou seus corações e os fez ver que era o melhor para mim. Não se equivocaram. Os outros parentes, na verdade, não sei se disseram algo. Suponho que pelo menos meus avós se alegrariam."

Em 2003, José Manuel Horcajo já exercia há dois anos o sacerdócio em uma paróquia de Madri. Hoje tem 35 anos e está em seu segundo destino, a igreja de San Ramón Nonato, em Puente de Vallecas, um bairro humilde de Madri onde imigrantes vindos de 108 países do mundo e casais de espanhóis idosos contornam a crise como podem. "Conheço famílias que moram em caminhonetes embaixo da ponte", diz Horcajo.

Integrado ao Opus Dei, embora dependente da arquidiocese de Madri, José Manuel é um desses cada vez mais raros padres comuns, que ganham um salário modesto - "cerca de 830 euros mensais" - e vive sozinho em um apartamento pago pela diocese, perto de seu trabalho. "A tarefa de um sacerdote não é um trabalho", explica. "Se o fosse, nossa vida seria bem mais triste. Isto é uma experiência de amor com Jesus Cristo que o leva a dar-se aos outros, aos mais pobres e necessitados."
A tarefa de um sacerdote não é um trabalho. Se o fosse, nossa vida seria bem mais triste. Isto é uma experiência de amor com Jesus Cristo que o leva a dar-se aos outros, aos mais pobres e mais necessitados

José Manuel Horcajo, padre da igreja de San Ramón Nonato, em Puente de Vallecas, bairro humilde de Madri

Estamos no escritório paroquial da igreja de San Ramón, um edifício centenário e harmonioso. No andar de cima há uma sessão de filme de Natal para as crianças, assistida pelas freiras que cuidam da catequese e da Cáritas paroquial. Há também outro sacerdote, Lidio Escudero, 68 anos, que concorda com Horcajo em que sua profissão não é apenas uma a mais. "As pessoas o procuram a qualquer hora. Mas somente uma vez me aconteceu ser despertado às 3 ou 4 da manhã para me pedirem que fosse a um endereço, e acabou sendo mentira. Uma piada, que me caiu muito mal."

Escudero veste-se como civil. Horcajo prefere manter as recomendações da hierarquia, que pede aos padres que se vistam como tal para dar testemunho. Ele usa calças e suéter de lã preta sobre uma camisa da mesma cor com colarinho clerical. Mas a severidade do vestir contrasta com seu jeito natural e com a familiaridade com que posa para o fotógrafo diante do altar-mor, como um executivo na sala de reuniões da empresa. A igreja está vazia. "É a casa de todos. Fica aberta nove horas por dia. As pessoas vêm pedir ajuda. Mais de uma vez encontrei às 11 da noite uma mulher imigrante com os filhos, que não quer voltar para casa porque o marido lhe bate. As convencemos a denunciá-los, porque é a única forma de eles se assustarem um pouco."

O padre José Manuel, como os fiéis o chamam, se declara feliz com a vida que escolheu. E não se surpreende com a dureza dos tempos. "Eu já cresci nesse ambiente social de muito agnosticismo, de muita indiferença para com a Igreja. Na verdade, não noto nenhuma mudança no que vivi desde que era pequeno." Ser padre e proclamá-lo com esse colarinho é maravilhoso, afirma. "Quando vou a algum lugar, procuro sair com tempo porque as pessoas o param na rua ou no metrô. Algumas pedem que você reze por algum parente doente, os mendigos pedem esmola." E o que ele faz? "Quando tenho tempo, os convido para ir a uma lanchonete, por exemplo." Nunca teve problemas? "Certa vez cruzei com um grupo de rapazes e já estava preparado para ouvir ofensas, mas só um deles disse: 'Olhem, ainda existem padres vestidos de padre'."

José Manuel descobriu tarde sua vocação. "Eu não era candidato a ser padre. Não ia muito à paróquia. Gostava de futebol e beisebol. Ia à discoteca no fim de semana." Estudava engenharia industrial, até que um dia de março de 1993 viu claramente. "Não sabia muito bem quais eram as tarefas do sacerdote, mas Jesus Cristo entrou em minha vida e foi uma paixão total." Para seus pais foi um golpe. "Não queriam que eu deixasse a carreira. Ser sacerdote hoje em dia é um risco. É algo que escapa das seguranças habituais. E as pessoas querem segurança. É embarcar em uma aventura que não sabemos onde vai terminar."


Padre Jonas reza missa Tridentina em latim no Mosteiro de São Bento, em São Paulo

A aventura eclesiástica de Miguel Ángel Ferri terminou há dois anos e meio, depois de 20 anos de vida em comunidades salesianas, os três últimos como sacerdote. Deixou o hábito "por um monte de fatores", conta por telefone de Cork, na Irlanda, onde aprende inglês e trabalha em um "call center" para uma firma de computadores. Ferri começou muito jovem sua vida religiosa. Gostava de ajudar as pessoas. Por que não através de uma ONG?

"A vida me ofereceu outra coisa", diz. "Sempre busquei a felicidade. E na primeira etapa me senti muito satisfeito. Sou muito irrequieto, sempre tive dúvidas, mas sempre segui em frente. Mas, quando as dúvidas se juntam com a insatisfação pessoal, é melhor romper." Ferri, nascido em Villena (Alicante) há 35 anos, era o protótipo do padre progressista, próximo. Experiente no atendimento a viciados em drogas, professor diplomado, capaz de se colocar na pele dos jovens, Ferri não lembra de hostilidade social. "Vivia em um microclima favorável", mas a situação era cada vez mais difícil.

"Tinha dificuldade para encontrar modelos de padres jovens aos quais seguir. Nos sábados saía com pessoas da minha idade e no domingo rezava missa e só encontrava gente mais velha na igreja." Afinal, "estava desiludido, apagado, não era eu mesmo", conta. E decidiu abandonar tudo. Continua sendo católico e toca violão em um coro de "gospel" em uma paróquia em Cork. Sente-se parte da Igreja, mas uma parte crítica. "Ficamos estagnados no tempo", afirma.

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