sábado, 19 de dezembro de 2009

Comemorar o casamento pode fazer a união durar mais.

Comemorar é preciso.

Já ouvi muita gente afirmar que não há qualquer diferença entre casar formalmente e morar junto. Essas pessoas alegam que “participar de uma cerimônia e assinar um papel não muda nada”. Algumas pessoas chegam mesmo a alegar que o compromisso formal piora o relacionamento. Argumentam que o grau maior de segurança proporcionado pelo casamento formal pode levar os parceiros a se tratarem pior do que quando não estavam tão fortemente compromissados. Um motivo alegado para isso é que quanto mais seguros estamos da solidez de uma relação, menos medo temos de perdê-la através da falta de cuidados ou de ações negativas. Outro inconveniente apontado é que os compromissos formais e legais podem dificultar a saída de um relacionamento de má qualidade e sem perspectiva de melhorias.

Embora essas objeções façam sentido e os fatos que elas se baseiam aparentemente sejam verídicos, as evidências científicas indicam que as vantagens dos ritos e compromissos formais são maiores do que suas desvantagens: eles geralmente melhoram a qualidade e a durabilidade do relacionamento. Vamos examinar neste artigo algumas dessas evidências e os principais motivos para os seus efeitos positivos.

Diversos tipos de ritos
Em todas as culturas existem vários tipos de ritos: saudação, demonstrações de deferência (por exemplo, ficar de pé quando o juiz entra no tribunal), comemoração (por exemplo, aniversários e datas cívicas) e passagem (por exemplo, casamento e formatura). Geralmente o primeiro rito de passagem que acontece na vida de uma pessoa é aquele que marca o nascimento (o batismo ou a circuncisão, por exemplo, marcam a passagem para a existência) e o último é aquele que marca a sua morte (passagem da existência para a não existência ou para outros “planos”).

Por que os ritos são importantes?
Os ritos de passagem facilitam a mudança de papéis sociais. Os antropólogos estudaram as funções que esses ritos desempenham para os seus praticantes e para a preservação da cultura. Só para ilustrar a importância que esses estudiosos atribuem aos ritos, tive notícia que aqui de São Paulo existe um antropólogo que oferece ajuda para aqueles que desejam comemorar e marcar fatos importantes, mas não querem utilizar os ritos tradicionais. Esse profissional ajuda a planejar cerimônias que cumpram as funções dos ritos de passagem e sejam do gosto dos contratantes. Por exemplo, quando se trata de um casamento, ele ajuda a preparar uma cerimônia para a qual sejam convidadas pessoas significativas para os noivos, desperte emoção e sejam proferidos juramentos solenes sobre os novos compromissos.

Funções dos rituais de passagem
Algumas das principais funções dos rituais de passagem são as seguintes:
• Ajudam as trocas de papéis. Marcar um dia para mudar de papel, convidar pessoas que investirão tempo e recurso para isso, a presença de pessoas que testemunham tal passagem e a cerimônia solene e elaborada para marcar a passagem. Tudo isso faz com que a mudança de papéis seja encarada mais seriamente por todos e suas consequências ultrapassem o âmbito de uma decisão privada tomada apenas pelo casal que apenas vai morar junto.
• Fortalecem vínculos. Essas cerimônias fortalecem os vínculos existentes entre quem convida e os convidados e entre os próprios convidados. A participação em uma festa desse tipo, as apresentações dos convidados que não se conhecem, as conversas, as comidas e as danças fortalecem os sentimentos de pertencer ao mesmo grupo ou ao mesmo clã.
• Ajudam a dar significado e marcar a vida. A preparação para participar das comemorações, esperar por elas, participar delas, sentir as emoções que elas despertam, conversar sobre elas e pensar nelas ajudam a marcar e a dar significado à vida.
• Reforçam os status dos participantes. Nessa ocasião, os participantes exibem, testam e aferem as suas importâncias sociais e os seus vínculos.

Evidências sobre os efeitos do casamento formal
Algumas das principais evidências sobre as diferenças na qualidade e durabilidade do relacionamento que existem entre o casamento formal e a união consensual são as seguintes:
• Os casados formalmente relatam maior grau de felicidade do que os unidos consensualmente.
• Os casados formalmente têm menos chance de se separarem do que os unidos consensualmente.
• Os casados formalmente traem menos do que os unidos consensualmente.

Também existem evidências de que união consensual não aumenta as chances de o casamento formal posterior com o mesmo parceiro dar certo. Por exemplo, um estudo verificou que casamentos precedidos pela união consensual não eram mais felizes do que aqueles em que os cônjuges casaram sem passar por esse tipo de união. Essa união, portanto, não funciona como “test drive” para verificar as chances de sucesso do relacionamento. Creio que isso ocorre porque não é fácil terminar uma união consensual, mesmo quando os parceiros verificam que não são compatíveis entre si. Por isso, ela perde uma boa parte da sua eficácia como critério para decidir pela separação ou pelo casamento formal. A decisão de casar formalmente - para aqueles que vivem em união consensual - muitas vezes é tomada quando acontece uma gravidez ou ela produz algum benefício econômico, como a facilitação do financiamento para compra de uma casa.

Por que os ritos funcionam?
Vamos examinar agora alguns dos principais motivos pelos quais os ritos produzem os seus efeitos.
Elas indicam um estado psicológico especial daqueles que se dispõem a praticá-las
Uma maneira de encarar as formalidades do casamento é pensar que, mesmo que elas não tivessem nenhum efeito posterior, a demonstração da disposição para praticá-las já revela um estado diferente e mais positivo quanto ao relacionamento do que a ausência dessa disposição. Por exemplo, a disposição para comemorar, gastar, investir tempo e participar de solenidades revela um estado de espírito bem diferente daquele em que não há ânimo para nada disso.
Geralmente quem está disposto a se casar “com tudo que tem direito” acredita mais que encontrou a parceira certa e que o relacionamento com ela tem uma boa chance de ser bem-sucedido do que quem quer apenas morar junto, sem nenhum alarde ou comemoração.
A exibição dos sinais dessa disposição afeta positivamente tanto aquele que os apresentam como o seu parceiro e as outras pessoas que deles tomam conhecimento: eles funcionam como uma espécie de evidência da seriedade de intenções e da disposição para o comprometimento daqueles que os exibem.

Consequências psicológicas dos ritos
A Teoria da Atribuição ajuda a entender alguns dos efeitos psicológicos que são produzidos naqueles que assumem formalmente o casamento. Essa teoria diz que tendemos a interpretar e a atribuir causas a tudo que está se passando conosco. Por exemplo, tendemos a tirar conclusões sobre a importância que os acontecimentos têm para nós com base na forma que agimos em relação a eles: “Se me empenhei tanto é porque deve ser muito importante para mim”. Outro exemplo: quem é levado a defender idéias que não acredita muito ficará mais favorável a ela após essa defesa. Os chineses usaram essa técnica para fazer lavagem cerebral nos prisioneiros americanos durante a guerra da Coréia: os obrigavam a escrever ensaios atacando a política americana e defendendo a chinesa e a lê-los em público. Depois disso, os prisioneiros ficavam mais propensos a adotarem uma posição mais favorável aos chineses. Analogamente, parece que quem se casa formalmente passará a assumir mais o relacionamento e a se envolver com ele.

Consequências sociais dos ritos
O grau de pressão social para assumir o papel de casado é maior para aqueles que praticam rituais de passagem do que para aqueles que apenas foram morar juntos. Aqueles que testemunham ou tomam conhecimento de que uma dupla se submeteu aos ritos do casamento ficam mais propensos a tratá-la como casada do que quando simplesmente ela foi morar junto de alguém. Isso ajuda e pressiona o novo casal se portar como tal. Por exemplo, uma pessoa que se separa logo após um compromisso formal e público é encarada com suspeita pelos que participaram da cerimônia: por que se separou em tão pouco tempo? O que aconteceu? Será que vão devolver os presentes?

Consequências legais dos ritos
A importância dos ritos de passagem não tem origem apenas nas suas consequências psicológicas e sociais. Certos ritos incluem ações que têm implicações legais. Por exemplo, registrar um recém-nascido como filho ou casar-se no civil tem consequências legais e implicam em grandes responsabilidades, direitos e deveres.
Ninguém assume um compromisso legal sem motivos quando pode haver graves consequências pelo seu descumprimento. Por exemplo, pouca gente assina um contrato de compra de um apartamento que preveja multa pela sua rescisão sem realmente pretender comprá-lo e ter condições para isso. Da mesma forma, o casamento no civil implica em diversos tipos de compromissos entre os cônjuges, direitos e deveres e pode ser complicado e custoso dissolvê-lo

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